No princípio, a gente pensava que não aguentaria um mês. Cá estamos próximos a três meses e nada dos números baixarem, pelo contrário, 44 mil mortos e contando… Fazer o quê? Resistir. Claro que somos privilegiados, estamos seguros, em casa, podemos nos virar mesmo com pouco trabalho, mas tem dias que são duros.
Que falta faz a liberdade de sair sem conferir máscara, álcool gel, sem olhar em volta se as pessoas estão protegidas, sem encostar em nada, sem ter que colocar a roupa e o sapato da rua. Sair, bater a porta e voar pro cinema. Encontrar um amigo na bilheteria e abraçar e dar três beijinhos… Ah, como eu morro de saudades da telona, de me jogar numa poltrona e esquecer da vida lá fora, que agora nem há mais. Ontem vi uma listinha dos filmes que assisti no cinema este ano. Foram quatro, sendo o último Parasita, que ganhou o Oscar de melhor filme em março, justo quando começou a pandemia no Brasil. Achei uma boa metáfora para o momento. É como se a vida tivesse sido interrompida, como a listinha do cinema. Um ano que começou embalado e de repente alguém passou a régua e pediu a conta. Pararam o filme no meio da sessão e nos despacharam para casa. Ficamos parados, como o número 88 da contagem desse Diário da Distopia. Nem 8 nem 80. Estamos parados nesse banho-maria, nesse zero a zero, nesse picolé de chuchu.
Mas como escreveu Guimarães Rosa, “felicidade se acha nas horinhas de descuido”, há pinceladas aqui e ali de alegria. Um casaco novo, um direct amorzinho, um pão que ficou no ponto e uma entrevista da Isabel Allende:
“A pandemia nos ensinou que somos uma só família. O que se passa com um ser humano em Wuhan, se passa com o planeta, se passa com todos nós. Não existe essa ideia tribal de que estamos separados do grupo e de que podemos defendê-lo, enquanto o resto das pessoas se esfrega. Não há muralhas, não há paredes que possam separar as pessoas. Os criadores, artistas, cientistas, todos os jovens, muitíssimas mulheres, estão considerando uma nova normalidade. Não querem voltar ao que era normal. Estão se perguntando que mundo queremos. Essa é a pergunta mais importante deste momento. Esse sonho de um mundo diferente: temos de ir para lá”.
Mas passados esses refrescos, voltamos à programação normal. Com porradas nada agradáveis do governo federal, dia sim, o outro também, a vida segue suspensa… Á espera de um milagre, de uma vacina, do impeachment, do fim do racismo, e de que um mundo diferente finalmente se inaugure!